Primeiro, surge uma boia; depois, uma linha diferente e anzóis de
estranhos feitios. "Câmbio, Kinei Maru 108, aqui Gera 8. O nosso
material emaranhou com o de vocês", avisa pelo rádio o capixaba Celso
Rocha de Oliveira, 53 anos, 18 deles dedicados à pesca ao atum. O Kinei
Maru 108, de bandeira japonesa, não demora a aparecer diante do pequeno
Gera 8.
Com 8.500 km de costa, o Brasil controla uma faixa oceânica de 3,5
milhões de km2 conhecida no direito internacional como Zona Econômica
Exclusiva (ZEE), que corresponde às famosas 200 milhas náuticas (370
km). É bem ali, numa tripa de oceano de 15 km por 200 km (3.000 km2, ou
0,09% do total da ZEE), que se trava a "guerra do sushi" entre
brasileiros e japoneses. Todos atrás do atum.
Os modernos navios japoneses medem até 60 m da popa à proa, têm
autonomia para operar por 90 dias sem aportar e armazenam em seus porões
frigoríficos até 200 toneladas de pescado, a -60 ºC. Já os atuneiros
brasileiros têm 15, 20 anos, foram adaptados de outras modalidades de
pesca e chegam, no máximo, a 24 m de comprimento. Sem frigoríficos,
exigem constante vaivém entre a zona pesqueira e o porto, para se
abastecer de gelo e descarregar o produto.
Pescadores, indústria de pescados, sindicato de armadores e entidades
ambientalistas não se conformam com a concorrência nipônica.
Principalmente porque ela acontece sob o beneplácito do ministro da
Pesca, Marcelo Crivella (PRB-RJ), bispo da Igreja Universal do Reino de
Deus que chegou ao comando da pasta em março. É como se os japoneses pescassem com jamantas, e os brasileiros, com
carrinhos de feira. "As embarcações deles devastam nossos cardumes com
um volume de pesca superior à capacidade de reposição", acusa Torquato
Ribeiro Pontes Neto, da indústria de pescados que leva seu nome, sediada
em Rio Grande (RS). "Prejudicam toda a cadeia produtiva ligada à pesca,
já que o peixe sai de seus porões para embarcar diretamente em um
cargueiro japonês."
O ritual ganha escala industrial no navio japonês, uma verdadeira
indústria flutuante que pesca, limpa, processa, congela, armazena e
exporta. Em vez de lançar 800, são 4.000 os anzóis em seu espinhel.
Enquanto os anzóis brasileiros não passam de 100 m de profundidade, os
japoneses se infiltram no meio do cardume, entre 200 e 400 m abaixo da
linha do mar. De maio até o fim deste mês, três navios japoneses terão frequentado o
pesqueiro de Rio Grande: o Kinsai Maru 38, o Kinei Maru 108 e o Shoei
Maru 7. No começo de agosto, o Kinsai Maru 38 atracou no porto de Natal.
Com os porões lotados, levava 170 toneladas de rico pescado, boa parte
já embarcada para o Japão em navio. As cinco toneladas de peixes do Gera
8 foram para o mercado de peixes do Ceagesp, em São Paulo.
No dia 15 de julho, o rádio do Gera 8 interceptou uma conversa entre o
observador de bordo do Kinei Maru e seu colega do Kinsai Maru. Observador do Kinei Maru: "Meu irmão, hoje, aqui, o Gera 8, o ilustre
Gera 8, deixou de fazer a pescaria dele para vir engrolhar o material
dele com o da gente. E ainda trouxe de cãimbra [sic] uma repórter por
cima do barco dele, fazendo uma reportagem. A gente está mais famoso." Kinsai Maru: "Não se preocupe. Em caso de bronca judicial, é o teu relatório que vai estar na mesa do homem da capa preta." O observador do Kinei Maru respondeu num português dos mais vivos:
"Judicial de cu é rola, meu irmão. O ano que vem eu vou vir aqui com o
Rocky 2 [barco de Calzavara] por cima do comando e uma trupe de
nordestinos com faca no bucho. Não estou nem aí. A gente está pondo
peixe para cima, mais de cem peças por lançamento. Por mim, eu quero que
esses caras [os japoneses] pesquem até o peixe voar pela janela. Eu não
tô nem aí, brother. O oceano não tem dono não, meu compadre".
A matéria acima foi extraída da reportagem da Folha de São paulo sob o título "Barco japonês domina pesca de atum em águas do Brasil". Os créditos são dos enviados especiais da Folha Laura Caprioglione e Marlene Bergamo. É impressionante como existe conluio entre agentes públicos e setores privados, ostensivamente. É difícil coibir a roubalheira nos escalões inferiores se o topo da pirâmide pratica-a com maior desenvoltura, agora, com a nova denominação de "dinheiro não contabilizado".
Ossami Sakamori, 68, engenheiro civil foi prof. da UFPR
Twitter: @sakamori10
2 comentários:
Legal, Sakamori, o jornalismo cumprindo o seu papel, muito bom. Abraços e ótima semana.
Potaquepareo. Isso é criminoso Saka...
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