Em 2005, em co-autoria com a economista Natália Fontão e jornalista Daniel Yabu, editei o livro "Brasil 180º - 50 propostas para mudança do rumo". Já se passaram 11 anos, mas o tema continua muito presente no dia de hoje. A a aprovação da emenda que coloca "uma camisa de força" ao Ministério Público e à Justiça, na lei conhecida como "10 medidas para combate à corrupção" aprovada pela Câmara dos Deputados mostra claramente isto. Sem delongas, passarei a transcrever a matéria.
Em uma ópera caracterizada pela vivência de tragédias, o fantasma da corrupção povoa há vários atos o cotidiano do povo brasileiro. O rol de barbaridades cometidas já é tão extenso que não é mais possível enumerar todos os absurdos desenrolados em palco nacional. Mais árdua tarefa é conseguir recordar de casos que tenham sido encerrados com êxito, culminando no encarceramento dos vilões de colarinho branco. Outrossim, grande parte dos episódios com final feliz teve a participação do Ministério Público - MP.
MP é uma instituição pública, mantida por recursos do Estado. Possui a missão de garantir o bom funcionamento da sociedade, seguindo os princípios da honestidade, da democracia e acima de tudo, da justiça, no mais amplo sentido da palavra. Tanta convicção tem abrigo na Constituição de 1988, que autoriza explicitamente a realização de investigação no campo cível, mas cria polêmica ao silenciar quanto à possibilidade de investigar no campo penal. O texto também atribui à Polícia a apuração das infrações penais, sem dizer se a competência é exclusiva. Trata-se, portanto, de um jogo de interpretação.
Ponderar contra a capacidade de o MP investigar é decidir a favor da impunidade e contra a sociedade. É aritmético que a polícia, se monopolizasse as investigações, não disporia de condições plenas para fazer todas investigações necessárias, ainda mais em um país de elevadíssimo índice de criminalidade como o Brasil.
Para alargar a amplitude de atuação e garantir condições dignas de combate, foi assegurada ao MP autonomia funcional, administrativa, financeira, garantias políticas e funções institucionais, que conferem aos procuradores o status de paladino dos interesses sociais, até mesmo contra o Estado. Sua cruzada é proteger a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais. A jornada de sucesso revela que os superpoderes vêm sendo bem utilizados.
Prova disso é a pujante pressão exercida pela restrição das investigações dos promotores: importantes autoridades estão sob o frenesi de serem acossados sob o crivo da Justiça. Tanto suspense vem sido condensado em um grande lobby vindo da parte adversária. Muitos delegados contam com a ajuda explícita de instituições como a OAB e apoio velado de muitos políticos que gostariam de cortas as asas do MP. Tanta antipatia também foi atraída por causa do atrevimento e irresponsabilidade com que alguns membros se atiraram à sanha acusatória.
Nesse circo, o que se vê é um contesto de intimidação, um jogo de gato e rato. Qualquer escorregadela pode ser crucial. Prevenindo a amputação de poderes do MP, alguns magistrados recomendam o afastamento de investigações que possam ser considerados como perseguições políticas e vinganças pessoais.
Para blindar a credibilidade de seus guerreiros, o Congresso criou o controle externo sobre o MP, o que possibilita a punição "a posteriori" dos excessos cometidos. A maneira como alguns promotores e procuradores "pop stars" flertam com os holofotes e se valem da mídia para promover suas "atuações", sobretudo em caso de envolvem a investigação de administradores públicos, também deixa no ar a aprovação de uma proibição legal que impediria juízes, membros do MP e autoridades policiais de divulgar informações sobre investigações em andamento. Há também a possibilidade de que o STF restrinja aos agentes a possibilidade de abrir investigações criminais e tomar medidas por conta própria, através da chamada Lei da Mordaça.
Para o livre exercício da democracia, é essencial a garantia de liberdade e independência. Erros, excessos e exorbitâncias de toda sorte ocorrerão. Estes devem ser punidos, visando eximir nossas instituições de toda e qualquer mácula que possam tiras do caminho certo. A dose terapêutica seria a atuação conjunta da polícia e do MP, sem estrelismo, objetivando apenas e tão somente a melhor resolução para os inquéritos.
A quebra-cabeça é complicado: não pode haver confusão entre o MP e a polícia; entretanto, é indispensável sua atuação em casos que a polícia não pode ou não quer resolver, como tortura, crimes cometidos por poderosos e tantos outros. O ideal, porém, é que houvesse uma regulamentação, com vistas a coibir abusos no exercício de suas funções.
Outras medidas prioritárias somam-se à supracitada: a construção da imagem pública mais clara e compreensível do MP, consentânea com o seu atual perfil constitucional; a realização de profunda revisão da estrutura administrativa, orgânica e funcional afim de que sua atuação seja cada vez mais eficiente e comprometida com a obtenção de resultados perceptíveis pela sociedade; o exercício pleno do status político do MP - pelo diálogo com a sociedade, com os Poderes e organismos do Estado, afim de obter o reconhecimento público e social do seu papel e de ampliar a base da legitimidade de sua atuação.
Somente assim, o Brasil provará quão fidedignos são seus esforços de eliminar os males que vê castigando tantas e tantas gerações do nosso povo.
Ossami Sakamori