terça-feira, 24 de julho de 2012

LETÍCIA, UMA DEKASSEGUI

Operária, esposa, companheira, dona de casa, mãe à distância. Nissei, segunda geração de descendentes japoneses, casada há 30 anos com não-descendente. Três filhos, o primeiro teria 28 anos, mas chegou para brilhar e um dia Deus quis que ele se tornasse mais uma estrela no céu; o segundo está com 22 anos e a terceira com 18, de quem tenho maior orgulho e respeito. No Brasil, comecei a trabalhar aos 15 anos de idade, sem deixar de estudar, trilhando por agência de publicidade, jornal, produtora de filmes comerciais e emissora de TV. Depois passei quase 20 anos trabalhando no BB. Hoje sou dekassegui, peã de fábrica da indústria automotiva, trabalhando em inspeção de peças, no Japão. História de uma fictícia Letícia.


Letícia é uma dekassegui.  Assim como 300 mil descendentes e agregados que emigraram para o Japão para um viagem ao inverso do que fizeram os descendentes do sol nascente, inciado em 1908, com a vida do primeiro navio de imigrantes japoneses no Brasil.  Hoje, são ainda cerca de 200 mil, grosso modo, população diminuída em virtude da estagnação da economia daquele país, agravada recentemente pelo tsunami em Fukushima.


Muitos poucos descendentes sabem, muito menos os não descendentes o que paço a relatar.  Os japoneses entraram no Brasil, antes da II Guerra Mundial, não como imigrantes, de forma espontânea, como está escrito na história do Brasil.  Os barões do café sentiram a escassez de mão de obra, pelo então recente libertação dos escravos pela Princesa Isabel, os viram-se na necessidade de contratar mão de obra de europeus e orientais.  Conseguirem, com os governos da época, autorização para imigrações de europeus e japoneses.  


Um rico comerciante chamado Ryu Mizuno, japonês, viu no serviço de imigração uma fonte de receita importante.  Negociou com o governo japonês e o brasileiro, a formalização da imigração do povo japonês para o Brasil.  Ryu Mizuno, era uma espécie de "gato" dos "quase escravos" japoneses.  Ganhava "por cabeça" de japoneses entregue aos barões de café.  Os imigrantes assinavam "contratos" de formação de cafesais no interior de São Paulo.  Hoje, pode se dizer que eram "trabalhadores escravos".  Após 2 a 3 anos de trabalho, não sobrava nenhum "conto de reis" que eram o prometido quando da contratação, já no país de origem.  Não tendo atingido suas metas e não aguentando o "trabalho escravo" maioria do imigrante fugiam para concentrar-se em "colonia japonesa", como que em quilombos.  Razão pela qual, demorou muito para os imigrantes se integrassem na sociedade brasileira.  Eis, a história verdadeira da imigração japonesa, em poucas linhas.


Há cerca de 3 décadas começou o movimento inverso, com apogeu econômico e consequente escassez de mão de obra no Japão, os filhos e netos dos imigrantes japoneses começaram o movimento de emigração no sentido do Japão.  A história aqui repete a mesma da imigração japonesa de 100 anos atrás.  Os descendentes de japoneses, os nisseis, sanseis e agregados, eram recrutados pelos "gatos" tal qual Ryu Mizuno da época, para ganhar na intermediação de mão de obra.  Os recrutamentos eram e são feitas, basicamente, como operários braçais nas fábricas de "auto-peças".  Assim como aqui no Brasil, os descendentes formavam "colonias japonesas", os dekasseguis no Japão formam, espontaneamente, os seus "redutos" de brasileiros..  Olhos puxados tal qual eles japoneses natos, mas são considerados e tratados como estrangeiros.  No Brasil são japas, no Japão são brasileiros.


A palavra "dekassegui" significa mais ou menos como "sair para prover".  Sair do Brasil, para prover a família que ficou no Brasil.  Ou sair para fazer pé de meia e se estabelecer no Brasil.  Mas, a história não termina, nem sempre, final feliz.  Alguns voltam com dinheiro. Outros, voltam, na mesma condição que foi, sem dinheiro.  Alguns, acabam se estabelecendo no Japão, constituindo família.  Anos de separação, em muitos casos, acabam desagregando os laços familiares.  


Única diferença é que os dekasseguis vivem relativamente bem no Japão.  Vivem numa sociedade extremamente organizada, sem violência, quase sem crimes, com relativo respeito entre pessoas.  Basta dizer que uma criança de 5 anos pode ir e voltar sozinha da escola, sem que haja alguma preocupação. Esta situação, de certa forma, deixa os dekasseguis confusos na decisão de retornar ao Brasil ou permanecer por lá mesmo. É o caso da nossa fictícia Letícia.


Enquanto o Brasil, não se tornar país descente, mesmo que seja pobre, mas país digno, com educação, saúde e segurança pública para a população, fica difícil, trazer de volta os 1,5 milhão de "dekasseguis" que estão espalhados pelo mundo a fora, descendente de japoneses ou não.


Dilma, acorde e tragam de volta esse contingente de Letícias brasileiras, muitas, qualificadas que vivem além mar. Elas estão qualificadíssimas para exercem as melhores profissões no Brasil.  


Ossami Sakamori, 67, engenheiro civil, foi prof. da UFPR
Twitter: @sakamori10    

6 comentários:

Unknown disse...

QUO VADIS
karlos batista no blogger
O navio Kasato MARU foi o primeiro.
Maru me parece o nome indicado para dizer BARCO,VERDADE?
Vi fotos da comemoração do centenário em minha cidade natal.
Pena que não vieram MAIS durante muitos anos..

abraços

Leh ou Helena disse...

Hoje, a maioria dos brasileiros que vivem no Japão, estão se tornando imigrantes.
A vida dos primeiros que aqui chegaram era muito difícil, mas o objetivo também era somente trabalhar, trabalhar, trabalhar e voltar com dindin. Com o passar dos anos, as coisas mudaram. Assim como os imigrantes japoneses progrediram no Brasil e fincaram suas raízes, muitos brasileiros no Japão estão conquistando espaço.
Antigamente só era possível fazer ligação, talvez, uma vez por mês, por ser muito caro.
Hoje, com toda a tecnologia e empresas de brasileiros que atendem a comunidade , tudo ficou mais fácil. Temos mercado, auto-escolas, lojas de roupas, empresas intermediadoras de telefones fixos ou móveis, empresas de mudanças, enfim tudo o que se possa imaginar.
Muitos já compraram suas casas, além disso, a tranquilidade tanto na segurança ou no trânsito, a honestidade do povo japonês fazem com que optem por morar definitivamente no Japão.
Acho que isso acontece não só com brasileiros no Japão, mas com muitos que vivem no exterior.
Quando voltam não conseguem readaptar (síndrome do regresso) e acabam retornando ao país estrangeiro.
Razões para que a maioria opte por morar no exterior são muitas, mas o que mais ouço são pela segurança, educação e qualidade de vida.
Radiação? Aqui no Japão, ninguém se preocupa com isso. Preocupam-se sim, com assaltos, corrupção, que é muito cruel!

Fabiana Ratis disse...

Admiro e respeito o povo japonês.
Já sabia da verdadeira história da imigração.
A cineasta Tizuka Yamasaki, nissei, acredito, fez um excelente filme, exibido no cinema e na TV também.
Imagino q/o "Sol Nascente" pode ser qualquer lugar onde se viva com dignidade e não falte CARINHO para aquecer.

Unknown disse...

Sou, é público e notório, apaixonada pelo Japão, seu Povo, sua Cultura, suas particularidades, seu detalhismo, sua História. Só superação e garra, lutas e vitórias! Já conhecia a história da imigração, poderia ter sido diferente, mais amena e com respeito! Mas nos foi dado o enorme prazer de conhecer, absorver e até miscigenar com esse Povo espetacular, o mais inteligente do Mundo! Em que outro lugar do mundo existe um Povo tão ordeiro, disciplinado e amável? Paralelo ao bem estar que sinto, o Japão me legou uma enorme frustração: não ter a mínima condição de falar o idioma! Deus proteja o Japão! Deus abençoe aos Japoneses, descendentes, afins e as Letícias pelo mundo afora!

Arno Edgar Kaplan disse...

Muito bom, japa. Assim dá para entender melhor, o teu povo.

Amilcar Faria disse...

Eu sou apaixonado pelo Brasil. Sempre tive muito respeito pelos Japoneses, pela garra, honra e história.

Acredito porém que podemos fazer a diferença em nosso país, ainda novo se comparado aos milhares de anos de história dos Japoneses e Chineses por exemplo.

Nossa democracia não chega a ter 100 anos, nosso povo mal chega a 300, nossa terra cerca de 500. Temos ainda muito a caminhar, mas acreditem: certo um dia chegaremos lá, basta que, a exemplo do que disse Ghandi, SEJAMOS NÓS A MUDANÇA QUE QUEREMOS VER NO MUNDO.

Como a mola mestra da mudança de um povo é a educação, o Sr. poderia nos ajudar a nos informar como foi o processo de investimento e melhoria da educação no Japão no pós 2a guerra (talvez com seus contatos na terra do sol nascente).

Somente aprendendo o que foi feito lá e mais recentemente na Coreia do Sul poderemos ter parâmetros para criar uma solução para estas terras do cruzeiro do sul.

Abraço,
Amilcar Faria

http://amilcarfaria.blogspot.com.br/2012/07/fazer-melhor-e-pior-ao-mesmo-tempo-em.html