Marco Santini é colaborador deste blog
O referendo do Brexit, ocorrido em Junho de 2016, foi uma promessa de campanha do então Primeiro-Ministro David Cameron, que havia sido ungido ao cargo pelo segundo mandato consecutivo e, com apoio da ala mais conservadora do seu partido, que carrega o mesmo nome “Conservatories”! Após longas e exaustivas reuniões de David Cameron na sede da União Européia – UE, em Bruxelas (Bélgica), ficou acertado ainda bem antes do referendo do Brexit, que uma das maiores demandas do Reino Unido, no que tange aos direitos do livre trânsito de cidadãos europeus para residir e trabalhar no Reino Unido, seria o “não acesso automático” a rede de benefícios sociais que o País oferece, o chamado Welfare, que traz pressão orçamentária enorme ao governo britânico e causa excesso de demanda nos serviços públicos (escolas e saúde pública)! A partir de 2016, um cidadão europeu vindo a residir no Reino Unido só teria acesso ao Welfare após 2 anos de residência continuada do consequente recolhimento de taxas advindas de contrato de trabalho.
Esse acordo com os 27 países membros da UE não foi o suficiente para acalmar com o ímpeto da ala mais radical dos conservadores, no sentido de dar um freio na entrada indiscriminada de imigrantes europeus, garantida pelo tratado com a cláusula do livre trânsito de pessoas entre os países membros da UE, o chamado Free Movement!
David Cameron então levou o referendo às urnas em 2016, ele mesmo um fervoroso defensor da permanência do Reino Unido na UE (um remainer)! A votação naquele ano, cujas pesquisas apontavam para uma vitória com boa margem dos “remainers contra os brexiters”, trouxe uma surpresa inesperada de um dia de verão no Reino Unido com a presença de uma forte instabilidade meteorológica, com chuvas torrenciais durante boa parte do dia em que as sessões eleitorais estavam abertas e, esse fenômeno sabidamente espantou das urnas os eleitores mais jovens e de grandes centros urbanos. E,ao contrário, houve presença significativa dos eleitores de faixa etária mais velha e de visão “conservadora e contrária” ao fluxo migratório vindo da Europa!
Conclusão: O País amanheceu dividido com os Brexiters tendo obtido 51.9% dos votos, contra 48.1% dos remainers! Esse resultado impactante e não esperado não deixou ao Primeiro-Ministro David Cameron outra alternativa que não sua renúncia imediata!
Formou-se então um novo gabinete de coalizão dentro do partido conservador, ungindo como líder do partido e, portanto com direito a ocupar a vaga de Primeiro-Ministro, a ex-Ministra do Interior ou de Assuntos Internos, o chamado Home-Office, Theresa May, que também sempre foi uma defensora da permanência do Reino Unido na UE, portanto, uma também remainer!
Após sua posse no número 10 de Downing Street e da formação do seu gabinete, Theresa May assumiu o compromisso de respeitar a vontade popular e levar o Brexit adiante! Para tanto, formalizou em 2017 com a UE em Bruxelas, a assinatura do chamado Artigo 50, instrumento legal que dá o gatilho formal para um País membro decidir pela saída do bloco europeu, num prazo de até 2 anos da sua assinatura, prazo esse que vence no próximo dia 29 de Março de 2019!
Passados quase 2 anos da assinatura do artigo 50 e de inúmeras e infindáveis reuniões bilaterais entre o governo britânico e a sede da UE, o que se vê até aqui é um intrincado e imprevisível tabuleiro político e econômico, com desfecho ainda incerto e que traz sérias consequências ao rumo seguro das atividades em geral. Sabidamente, investidores e agentes econômicos não trafegam bem em ambientes de incertezas e de pouca clareza ou de mínima previsibilidade futura!
O escopo básico do Brexit é o de se tentar uma solução negociada com os 27 países membros da UE, para que num período considerado como de transição, por pelo menos 2 anos até 2021, as relações bilaterais entre o Reino Unido e a Europa continuem dentro do mesmo espectro operacional, ou seja:
- Acesso amplo ao Single Market da UE (livre trânsito de mercadorias e/ou de serviços) numa mesma base tarifária!
- Amplo e livre trânsito de capitais entre os países membros
- Manutenção (dentro do período de transição dos 2 anos) do livre trânsito de cidadãos da UE, o chamado Free Movement!
Hoje, sabidamente residem no Reino Unido cerca de 3,5 milhões de cidadãos europeus e cerca de 1,5 milhão de britânicos residem no continente europeu, portanto, o capítulo da garantia de direitos assegurados para ambas as partes é um dos pilares da negociação ora em curso!
Em Novembro de 2018, o governo britânico e os negociadores da UE, após quase 2 anos de negociações intensas, teriam chegado a uma minuta de acordo ou Deal Draft, garantindo um Brexit negociado e sem rupturas! Esse texto, no entanto, esbarrou e ainda esbarra no item hoje considerado o mais difícil de ser equacionado entre as partes, qual seja o da questão do “Backstop” entre a Irlanda do Norte e a Irlanda!
Como todos sabem, a Irlanda é um País independente e membro permanente da UE e permanece como tal. Já a Irlanda do Norte é um País membro do Reino Unido!
Hoje “as Irlandas” não possuem entre sí nenhum controle de fronteira ou de aduana para trânsito de mercadorias ou de pessoas, e a UE e também o Reino Unido querem que assim continue a ser, mas com um “detalhe capital”: garantida a fronteira livre ou a Free Border entre as Irlandas até a saída definitiva e completa do Reino Unido da UE em 2 anos de transição, ficando a questão desta fronteira para discussão futura após o período de transição!
E é aí que a coisa emperrou de vez, pois a UE não aceita de forma alguma colocar na minuta de acordo essa questão de temporalidade da fronteira com as Irlandas e o Reino Unido, não aceita em nenhuma hipótese se imaginando completamente fora da UE após o período de transição dos 2 anos, ver um país membro do Reino Unido, no caso a Irlanda do Norte,transitando com produtos e com acordos com a UE, enquanto o País de Gales, a Inglaterra e Escócia, os outros países que compõe o Reino Unido estariam completamente fora da Europa e dos mecanismos de proteção dos acordos de livre comércio com a UE!
Outro ponto de muita discussão e polêmica,diz respeito a permanência do Reino Unido na chamada Customs Union, ou união alfandegária dos países membros da UE, pois se após o período de transição dos 2 anos para a completa saída do Reino Unido da UE, o fato de permanecer sob as regras do Customs Union, dificultaria o Reino Unido de firmar acordos de comércio internacional com outros países, sem a anuência da UE!
Diante deste complexo e emaranhado quadro, a Primeira-Ministra Theresa May foi novamente derrotada no parlamento e não houve nenhum avanço na questão do Backstop com as Irlandas!
Na minha visão caminhamos a passos largos para 2 cenários mais prováveis:
O da prorrogação da saída da UE pelo Artigo 50 em 29 de Março próximo por pelo menos mais 2 meses de negociações; Provável tentativa de um novo referendo para ser ouvida a opinião popular mais uma vez, esse menos provável de ocorrer!
Para encerrar, cabe destacar a importância capital que tem Reino Unido e UE reciprocamente em termos de volume de comércio, onde 50% de todas as exportações do Reino Unido se destinam a UE e 40% das importações do Reino Unido são provenientes também da UE.
Marco Santini
Administrador de empresas, pós-graduado em Finanças
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